"O que toca na rádio é medíocre"
Publicado no Dia 26/04/2006 -Natal(RN)
Alex de SouzaO músico Silvério Pessoa volta a Natal pelo Projeto Retrato Sonoro, da Fundação Capitania das Artes. O show é hoje à noite, no Teatro Sandoval Wanderley, às 19h30. Os ingressos custam R$ 1 e estudantes e idosos não pagam. Ele conversou com o
CORREIO DA TARDE sobre o momento que vive na carreira, que explodiu no mercado europeu.
Fale um pouco sobre o Cabeça Elétrica, Coração Acústico, disco que você vem lançar em Natal.Este é o meu terceiro disco solo, o segundo lançado na Europa. Mas, na verdade, depois da experiência no Cascabulho, a banda que eu participei nos anos 90, é o meu primeiro disco autoral. O primeiro, Bate o Mancá, foi todo em cima do trabalho que eu fiz com a música de Jacinto Silva. O Batidas Urbanas - Projeto Micróbio do Frevo foi todo calcado num resgate dos frevos gravados por Jackson do Pandeiro nas décadas de 50 e 60. Agora, com Cabeça Elétrica..., lançado pelo selo Tratore, vivo um momento feliz de minha carreira. Mesmo estando de fora dos padrões de execução do mercado, rádio e tevê, consigo manter minha carreira, trabalhando 365 dias no ano. Até porque, para os artistas que fazem parte do meu grupo, hoje em dia tocar na rádio não é bom, porque o toca na rádio é medíocre. Então, voltar a Natal é um reencontro, há sete anos que não vou à cidade. No disco, eu lanço um olhar sobre isso que se convenciona chamar de tradição, mas com um paladar moderno.
Como foi a experiência de gravar com Elino Julião, um discípulo direto de Jackson do Pandeiro, que foi uma grande influência na sua música.Elino Julião faz parte de um ideário que existe na música brasileira, junto com Jacinto Silva, Jackson do Pandeiro, Gonzaga e muitos outros. Mas eu tenho uma idéia muito própria sobre referência. Eles para mim formam um amálgama, em que nada é direcionado, mas ao mesmo tempo está presente na minha música, junto com várias outras influências.
Você tem vários projetos paralelos, como a Liga Musical Refinaria (projeto de música eletrônica)...Rapaz, eu tenho uma pena danada da Refinaria. Como eu ando trabalhando muito, ele está meio ensanduichado. Veja amanhã (hoje) eu vou estar em Natal, depois Maceió, Aracaju, aí vou para a Europa, na volto toco em Caruaru... E, no momento, estou também envolvido numa banda chamada Sir Rossi, que faz uma homenagem a essa figura emblemática que é o Reginaldo Rossi. Nós já tínhamos participado de um disco-tributo, Reiginaldo... Aliás, esse resgate é muito legal. Pela gravadora Alegro, saiu um tributo a Odair José, e eles estão também preparando um outro que é Eu Sou Cachorro Mesmo...
Você faz uma música que, ao mesmo tempo em que joga um olhar sobre a tradição, também está próxima da eletrônica, do experimental. Dá para conviver sem criar um conflito?Olha essa é uma relação freudiana, psicanalítica, eu diria. Quando decidi me afastar da educação, pois eu era professor, e optei por ser músico, eu resolvi criar sobre o meu mundo emocional. Eu sou na Zona da Mata Norte de Pernambuco. Minha mãe tocava acordeon, minha avó adorava rádio. Então eu componho sobre essa hereditariedade. Não poderia pisar sobre um chão que não fosse minha história. Ao mesmo tempo, sou um migrante, vim para Recife e aqui eu conheci uma antena, conheci a freqüência modulada, os Beatles, Bob Dylan, Jimi Hendrix... Então, quando vou para o estúdio, levo todas essa referências. Minha banda, você vai ver isso em Natal, tem um arsenal de instrumentos, minha voz nunca está 'limpa', sempre uso um filtro ou dois na voz. A convivência é a única saída para a tradição não ficar restrita ao museu, como um acessório. Sem uma atualização ela não vai sobreviver. Eu tento curtir a tradição de uma maneira que não seja saudosa. E não sei se consigo completamente, mas esse novo disco é apenas um portal para isso.
Como é a experiência de construir uma carreira na Europa?Uma coisa é ir tocar na Europa e depois voltar, como aconteceu com muita gente no ano passado, que foi o Ano do Brasil na França. Outra é dar continuidade. Fazer da Europa um mercado a ser explorado. Esse ano eu vou para minha terceira turnê por lá, no ano passado cheguei até a Malásia tocando. Encaro isso como um investimento. Quando falo na Europa, falo na França, em Nice, Marselha, Toulouse, cidades que se movimentam na contracultura, e que são o Nordeste da França, como há o Nordeste brasileiro. Por que lá acontece como aqui: o que lota um teatro com duas, três mil pessoas? O que toca no Gugu, no Faustão, o que paga o jabá. São produtos que não favorecem em nada a cultura brasileira. E lá, o que não é Paris, é província. Então há uma identificação.
Você participou do Projeto Pixinguinha ano passado e pôde tocar para platéias no Sudeste, onde seu trabalho não é conhecido como no Nordeste. Como foi conhecer esse outro Brasil?Veja que coisa maluca. Como você não toca na rádio, você é regional, pela classificação do mercado. Isso é a coisa mais ridícula do mundo. Isso tem me indignado, mas também me fortaleceu muito. Passamos por vários teatros em oito estados diferentes e, em todos, fomos aplaudidos de pé pelo público. Existe um Brasil que conhece, que é curioso, porque aquilo que não se vê na tevê, tem circulado na internet, e esse é um veículo pelo qual eu sou alucinado.
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1 Comentários:
Olá Silvério querido!! Excelente entrevista, contundente! Parabéns pela exposição de idéias tão claras! Beijinhos, saudades!
Rita
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